segunda-feira, 22 de novembro de 2010

ludwig tieck



título - 3 contos fantásticos
autor - Ludwig Tieck
editora - Antígona


Um livro tem, pelo menos, três tempos: um tempo cronológico – ou seja, o do seu autor, tempo biográfico e inscrito na História, que se prolonga e procura tocar o dos leitores, quer do seu tempo, quer de um tempo futuro – um tempo grafológico, por assim dizer – ou seja, o próprio tempo inscrito no livro, ficcional – e um tempo aiónico, da eternidade do instante, suspensivo, dobra temporal – falamos, pois, do tempo da própria leitura, o tempo em que qualquer um se torna “leitor de um mundo”.
Ora, o livro de que hoje vos escrevo, apresento, tem o privilégio – outros haveria que melhor exemplificariam essa trilogia temporal, mas por agora, perdido em tantas outras leituras que não são para aqui chamadas e que me impossibilitaram de mergulhar nos romances, é deste que vos falo – de realçar esta característica. Agrupando três contos do prussiano Ludwig Tieck (1773-1853), num cuidadoso trabalho colectivo de tradução, o livro dá-nos a conhecer um dos nomes maiores do primeiro romantismo, o de Jena.
Obviamente não faremos aqui uma revisão do que é e foi o romantismo, por mais que nos agradasse pensar o que desse maravilhoso movimento – que, infelizmente, suscitou na cabeça de muitas pessoas as tristes ideias que tantos estragos provocaram, como a Nação e uma única língua dentro dessa fronteira (quantas mortes daí advieram!) e que, no entanto, paradoxalmente coabita com essoutra ideia infinita da Weltliteratur, do Livro do Mundo escrito por cada um, na língua com que cada um nasceu, a sua própria língua e não a imposta, o seu próprio idioma, ou idiolecto que traduz a sua vida – surgiu, tanta poesia, romances, novelas, contos, filosofia, mas apontaremos, dentro da nossa possibilidade, o que dos “3 contos fantásticos” transparece do romantismo.
“Eckbert, o Louro”, “As sílfides” e “Magia de amor”, pertencem bem ao adjectivo que compõe o título do volume; fantásticos, fantasiosos. Descobrimos nesses contos vários temas da dita “escola literária”: os duplos cidade/campo, cultura/natureza, dia/noite, duplos esses que indicam um outro que gera páginas e páginas de escritos, o Bem/Mal. Mas os contos não seriam definidos como fantásticos sem essas figuras sobrenaturais como as fadas, as sílfides, os gnomos, os duendes, os fantasmas - tantas vezes duplos da personagem principal ou de uma muito próxima desta –, as bruxas, que por aqui passam tanto como nos “contos de fadas” – estes três contos não tiveram a mesma sorte que os dos irmãos Grimm, ou os de Hans Christian Andersen, embora devessem figurar nas melhores colectâneas. Encontramos igualmente aqui esses preceitos morais, juízos de conduta encobertos nas malhas da ficção, envolto no problema do segredo.
O segredo será, decerto, uma das mais profundas questões dos contos fantásticos. Tudo começa, neste caso, com um resgate. Uma personagem leva uma vida, ora árdua, difícil, triste, ora, por vezes no caso de uma criança, inocente, feliz; pelo caminho da sua vida, ou porque decide partir, ou por um qualquer aviso materno que a criança quebra, trava conhecimento com uma criatura sobrenatural – sabemos que o é, sobrenatural, de qualquer modo sabemos sem o saber, e como tudo o que não é deste mundo, ou precisamente por se encontrar neste mundo como nós, veste uma imagem de modo a cobrir o seu verdadeiro ser – que se propõe a ajudar, a mostrar o maravilhoso e o belo do mundo a muito custo conquistado. Ora, a revelação tem um custo, a proibição, a interdição sujeita a castigo e sempre votada ao silêncio do segredo. O resgate, que implica uma quebra na vida, um antes que jamais se voltará afim de que o futuro abençoado chegue, desvanecer-se-á se a proibição fôr quebrada, ou seja, se a personagem se decidir a recuperar o antes perdido. Na verdade, a proibição nunca é quebrada, antes posta em estado de suspensão, pelo menos assim pensam as personagens: nenhum mal virá se suspender, por um instante, o interdito, se lhe fechar os olhos ele, o interdito, não verá e o castigo, nunca se sabendo qual será, não virá, porque há um bem maior que o segredo que me salvou, que me colocou em estado de felicidade, assim pensam as personagens, o encontro amoroso, a união com o amado/amada a quem não se deve esconder nada, assim pensam as personagens. Nada mais será preciso dizer, sabem bem o que acontece, é a lição mítica, mitológica, religiosa da Lei.
Contudo, terei de fazer justiça. Embora me tenha agradado bastante a leitura deste tríptico, fiquei com um certo desgosto. Por um lado, estava à espera de mais, caí no erro da expectativa – li outros autores do romantismo e gostei mais do que Tieck – mas, por outro lado, soube a pouco, gostaria de ter lido mais contos, porque muito me apraz este ambiente romântico. Todavia, não levem a mal estas últimas palavras, eu não sou, em boa verdade, crítico literário, guia de leitura, somente um leitor e, como tal, sujeito a disposições. Tivera sido um outro dia, com outros acontecimentos, outros ambientes à minha volta quando li, e talvez tudo fosse diferente. Creio bem que sim. Verei, numa segunda leitura, um dia.

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