sexta-feira, 6 de agosto de 2010

elogio do inimigo

"
1

Quem atentou contra o sentido das palavras, foi contra nós que atentou. Mas passado o momento da hesitação, de novo avançámos para a meta inalcançável do desejo: a sabedoria.

Quem contra nós atentou, abriu-nos as portas do desconhecido. E por ela nós embrenhámo-no, lutando com o medo.

Um dia, novamente, alcançámos um lugar de habitação. Aí, no sentido atingido, repousámos. E durante uns instantes reflectimos sobre as razões do ódio e sobre a fragilidade do sentido. Depois, finalmente, sorrimos, como se o alívio nos tivesse visitado a seguir à tempestade que fizera vacilar os alicerces da casa.


2

Porque tivemos inimigos não morremos tão inocentes. eles quiseram destruir-nos, mas reforçaram o nosso direito à existência. Por outras palavras: quiseram negar-nos, negar o que nós éramos e a maneira como víamos o mundo. Mas nós meditámos. E depois de termos sofrido e hesitado, erguemos o nosso destino de novo como uma estrela resplandecente na escuridão ameaçadora.

Fazer o elogio do adversário não me repugna neste momento. Quem, sem inimigos, podia aproximar-se tão empenhadamente da zona árida e selvagem da luz? Quem, sem oposição, teria progredido no caminho que leva à morte abrindo os olhos?"

in João Camilo, Elogio do Silêncio, Évora, Casa do Sul, 2005: 70-71

3 comentários:

Anónimo disse...

sim senhora

Anónimo disse...

mas, há que dizê-lo, para fazermos o elogio do inimigo, temos de ser nossos amigos, certo?

fernando machado silva disse...

sim, acho que, acima de tudo, é necessário respeitar-mo-nos e amar o que somos enquanto ser vivo (não se leia aqui qualquer projecto religioso, por favor, acho que se pode ser "espiritual", ou o que lhe queiram, chamar sem trazer de arrasto deus, palavras mediadoras e prescritivas, etc.), e sabermos levantar sempre após cada queda retirando qualquer coisa do que aconteceu para nosso benifício, ou nas palavras do próprio joão camilo: "mas nós meditámos. e depois de termos sofrido e hesitado, erguemos o nosso destino de novo como uma estrela resplandecente na escuridão ameaçadora".