"S/T-C/T, título que tantas vezes ocorre nas obras da arte contemporânea, é, já de si, uma tópica para a filosofia da arte; mas à questão que hoje se coloca no colóquio, o Romantismo, a que temática se poderá ligar? O despojo que deponho é o Livro. E, aderindo a este, o Fragmento e o Acontecimento deleuzeano. Porquê juntar estes três conceitos? Não poderemos abordar o Livro sem procurar compreender o acontecimento que foi o Romantismo, o primeiro dos movimentos estético-literário do modernismo, o qual, sendo mais do que uma época, inaugura a época da revolução poética, nas palavras de Maurice Blanchot no seu texto Athenaeum, época do pensamento intemporal e intempestivo da poesia, revelando-se pela busca do Absoluto; e demanda realizada pela criação do pensamento em fragmentos, não como excertos, cogitações de acaso, mas como pequenas obras de arte, completas, acabadas e projectadas para o infinito.
Comecemos, então, por um retorno ao paradigmático e programático parágrafo 116, a esse fragmento, da revista Athenaeum dos primeiros românticos. Pode aí ler-se, na sua abertura, o que a poesia romântica é, ou melhor, o que é a Poesia: universal e progressiva, inacabada, um devir, mas igualmente movimento de envolver, mergulhar, dissolver as fronteiras entre poesia, filosofia e retórica. A sua função primeira desenha-se como uma obrigatoriedade de um desejo, de uma vontade, “ela quer e precisa”, ou seja, a poesia aparenta ser, com esses dois verbos, como uma coisa autónoma à qual o poeta adere, se relaciona. E esse desejo, essa necessidade expressa-se pela mistura de disciplinas, das fronteiras há tanto tempo separadas, e pela fundação de um novo corpo orgânico interligando poesia (natural e de arte), prosa, crítica e genialidade, para, enfim, torná-la viva e social (já dizia o Mais Antigo programa sistemático do Idealismo Alemão). Ora, se os românticos queriam transformar a poesia, de imediato asseguram também a sua vontade de mudar a vida poetizando-a – antes da célebre frase surrealista proferida por Breton, “ «transformar o mundo», disse Marx; «mudar a vida», disse Rimbaud: estas duas palavras de ordem são, para nós, uma só”[1], já os românticos projectavam na poesia essa revolução. Poetizar, ou seja, “preencher e saturar as formas de arte de toda a espécie de substâncias nativas da cultura, e animá-las com pulsações de humor”[2], mas descobri-la em todo o lado porque, a bem dizer, a poesia envolve tudo e é envolvida por tudo. A força da poesia romântica terá tal ímpeto que só ela e ela só se poderá tornar espelho do mundo, soltando-se de todo o interesse real ou ideal, lançando-se na reflexão poética para se elevar à mais alta potência da reflexão. Ela é igualmente construtora de mundos, a mais pura comunicação entre o interior e o exterior, abre perspectivas, abraça o abismo, joga com o Absoluto. E não se esgota, nenhuma palavra a confina, nenhuma teoria a diz na sua completude – como poderá, na verdade, um ponto de vista, uma theoria, esgotar o infinito? – “[S]ó ela é infinita, como ela só é livre, e ela reconhece por primeira lei que o arbitrário do poeta não sofre o domínio de qualquer lei”[3], mas, Friedrich Schlegel, um dos autores, senão mesmo o autor do fragmento 116 e figura de proa do Romantismo de Jena, deixa uma salvaguarda, talvez só uma crítica adivinhatória poderá caracterizá-la, categorizá-la."
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