domingo, 30 de maio de 2010

Emma Santos




Depois de três anos, erro por quartos mobilados, de hotel, apartamentos de amigos com os meus blocos. Publico. Arrasto-me nos hospitais – é uma maneira de se abrigar.
Lembro-me do nosso quarto, da cama, do fogo na chaminé e da fonte no vão das escadas.
Entre o fogo e a água, acenei e os meus seios e as minhas ancas e o meu traseiro, e depois o gosto de escrever impediu-me de sentir.
A literatura destruiu a mulher que fui, uma cabeça um corpo de braços e pernas e interior dos órgãos para comer cagar beijar nascimento.
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Desenho, procuro signos que não serão da minha língua materna.
Há um feto para matar em si.
Invento letras e o meu manuscrito assemelha-se a chinês.

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Quando teremos o direito de deixar falar o nosso útero ventríloquo livremente, além náufragos em pleno ar depois de ter passado pelo inferno.

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– Quero tricotar um xaile de todas as cores para cobrir os meus ombros.

– Escreve e cala-te.

– Quero colorir as minhas pálpebras.

– Escreve e cala-te.

– Vi agrião verde vivo crocante como na lagoa. Queria comprar um molho para fazer um bouquet.

– Escreve e cala-te.

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