quarta-feira, 26 de maio de 2010

Emma Santos




O meu Português…

“Ele era bonito…, ele cheirava a areia quente…”

As praias brancas de Sagres.

Conheço duas palavras em português:

Coira (insulto).
Saudade (nostalgia).

Entre o amor e o ódio.

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Ofereço-me à saudade como as crianças compram gelados no verão.
Trago um colar que me ofereceste, uma velha combinação rendada.
Vou mesmo procurar o meu anel de noivado…

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A droga a droga a droga. A busca da dose para a noite.
Suplico ao médico que me dê MANDRAX.
Tóxico. Receita+ordem. Bilhete de identidade. Catalogada como drogada.
Tanto pior, tenho a “dose milagrosa” para dormir e esquecer.

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Depois da sua partida, não tenho mais as minhas merdas. Lembro-me antes cagava uma longa merda dourada e quente – eu queria engolir, um belo pudim assim vivo…
Envolvia-o em papel. Descia-o pelo lixo no pátio e partia para a escola, as minhas aulas na outra mão, com elegância.
Os meus esfíncteres não funcionam mais, descubro-me com a água violácea no fundo dos meus calções.

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Faz três anos que tento explicar a nossa separação.

Tu dizes: “Devoraste-me com as tuas palavras.”

A minha mão aproxima-se da tua.
Sento-me aos teus pés. Procuro o teu tornozelo. Estás rígido e frio. Corro a chorar nos braços do psiquiatra sentado à tua frente.

É preciso falar falar, desembalar quinze anos de riso, e as palavras estão vazias ocas.
Vivi por instinto por desejo, explicar como?

Vocês homens vocês crêem nas palavras.
O psiquiatra procura “que se melhore”. Podemos enfim conversar. Antes beijávamo-nos e comíamos no minúsculo quarto de criada.

Julgamento do homem.
É melhor?
O meu corpo aninhado na poltrona, o meu corpo vazio. Faço-te censuras atrás de censuras. Não ter mais o calor do teu odor na cama.

Eu sei o que valem as palavras dos psiquiatras, antes dizia-se “palavras de boas mulheres”!

Para que servem estes encontros que tu exiges agora depois da tua fuga? Toma-se um café depois da consulta, a seguir tu partes para as outras mulheres.

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A tua fuga curvou-me as costas, o peso do corpo para pendurar no banco do metro.

Inventou-se-nos Boulot-Psycho-Dodo [procuro tradução].
Quando se pronuncia a frase “Você é o meu papá” eles vêm-se. são torcidos esses tipos, os “psi”. Milagre. Eles têm a cura e o seu querido transfert.

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O tempo em que se vivia nos céus como duas personagens aladas.

Estendo-te um copo de água, se tinhas sede.

Não pronunciaste uma palavra. Compreendemo-nos no silêncio.

O antigo silêncio pleno de palavras, o meu novo silêncio vazio.

(continua)

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