terça-feira, 30 de março de 2010

uma história saturada de mortos

já de nada servem as palavras,
os gestos, eu sei, não são levados
a sério. e temo-nos
um ao outro. agora
dormes gelada, as cinzas
apagadas, a geada embranquece
o campo silvestre. olhando
lá para fora o dia flora
e temo tudo que aí vem.
meu amor
como exemplo
tomemos o que de humano há
em cada um de nós,
eu em ti
tu em mim,
sem definirmos isto ou aquilo
sem defesas, sem muros
esconderijos, ver tudo,
o teu caminho, o meu
caminho, como vieste, como
vim, recolhermos tudo
que esta história já deu
esses rostos, esses ossos, mortos,
acções, nomes, tudo isso
que se levanta,
sobe aos céus
e desce
no escuro,
tudo isso
mal(-)dito, mal feito
perdido em todas as manhãs do mundo
quando nós somos a magnificência
o milagre, a epifania
nem animal nem anjo
nem demónio, mas tudo isso misturado.
eu que deixei de acreditar
eu, agora, trinta anos, fumo, bebo
rodeado de toda a tecnologia do homem
assusto-me com um grito de uma perdiz
ali fora na seara alentejana. sei que
os pássaros já não dormem
cantando todas as noites e dias
ao nosso ritmo
e choro,
meu amor,
choro
num verso, por um verso
nos teus desenhos
em todos os desenhos
ao ouvir música
em todas as formas
de arte. quero um filho,
qualquer que seja o seu sexo,
quero um filho
mas não o quero aqui
meu amor
connosco
e não tenho histórias para lhe contar
senão a morte ao deitar e nós
nós podemos tanto.

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