sexta-feira, 21 de agosto de 2009

thomas bernhard





Título: Derrubar Árvores. uma irritação
Autor: Thomas Bernhard
Editora: Assírio & Alvim


Thomas Bernhard (1931-1989) é, conjuntamente com Elfriede Jelinek e Peter Handke, considerado um dos autores austríacos mais importantes do pós-guerra e o mais polémico. E destes três é bem possível que seja o mais traduzido em Portugal – embora Handke tenha sido o primeiro e a atenção dada a Jelinek aumentasse depois de granjeado o prémio Nobel da literatura – e, penso, por uma razão, entre outras que decerto agrada o leitor que chega a um autor que desconhece, um pouco bizarra. Bernhard adorava Portugal. Gostava também de todos os outros países latinos, mas gostava muito de Portugal, tendo visitado e vivido esporadicamente aqui. O seu movimento migratório é um tanto ou quanto semelhante a esse enigmático e pouco lido autor português Rui Nunes. Aliás, há um ponto em comum entre estes dois autores: um horror ou desgosto relativo ao país de origem. Bernhard, sendo austríaco, odiava a Áustria e permanecia no seu país o menos possível e vogava para os países quentes, em particular, para esta aproximação, Portugal; Rui Nunes, sendo português, sente-se entristecido com o seu próprio país e vive, grande parte do tempo, na Áustria. Mas, à parte isso, nada têm em comum.
Como quase todos os grandes escritores, a sua vida não foi fácil – parece que os grandes escritores têm, realmente, de passar por dificuldades, um crescimento difícil até chegarem a adulto. Nascido de pai desconhecido, segundo alguns livros – outros dizem que mais tarde o pai aparece, embora nenhum efeito terá na sua vida – e na Holanda, logo parte com a mãe para Viena para casa dos pais desta. Sente-se muito próximo do avô, que foi o primeiro escritor que conheceu e o iniciou na música. Faz a escola em dois rígidos colégios, um nacional-socialista e outro católico, não se dando bem em nenhum. As suas tristezas, o seu conhecido ódio, nascem aí. E em 1949 é-lhe diagnosticado um grave problema pulmonar que o obriga a longas estadias em sanatórios e que o acompanhará até à sua morte, provocada exactamente por essa doença. Nessas estadias conhece o sobrinho de Wittgenstein (que será retratado na novela homónima) e aquela que Bernhard considerava como a “pessoa da sua vida”, uma mulher bem mais velha e que o conduziu à maturidade do seu pensamento e o guiou para o mundo das letras. Formou-se em artes dramáticas e tinha um profundo conhecimento da música, que se revela na sua escrita.
Estas são os acontecimentos que marcam as linhas estéticas da arte literária de Thomas Bernhard. A sua obra é longa, com poesia, teatro, ensaios, romances e novelas, bem como um extenso trabalho de crítica em jornais. Mas como é que isso se revela?
Bernhard é o grande “repetidor” do século xx. E o que é isso? Ora, as temáticas são quase sempre as mesmas. Exceptuando um ou outro livro, o mote é a sua vida ou um determinado dia. O narrador, como no romance deste mês, é ele próprio contando a si mesmo o pensamento que naquele momento tinha. Qualquer coisa como – e isto não é uma citação – “que horríveis são estas ruas, pensava eu, penso eu agora”. Num ritmo pausado, calmo, lento, crescendo e diminuindo apenas em intensidades, Bernhard constrói os seus romances como uma sinfonia. Partindo de uma frase, executando repetições inserindo pequenas e ligeiras variações na frase que o conduzem a outras mais, o texto vai-se adensando em críticas à Áustria a todos os níveis, à condição social, económica, política, histórica austríaca, ao seu conservadorismo, ao desinteresse nacional quanto à arte, à pobreza de pensamento. Todavia, enquanto critica, revela-nos um pensamento lúcido e profundo da vida e da arte.
E “Derrubar árvores”? Tudo começa na casa de um casal amigo num jantar dedicado a um grande actor do teatro nacional e que, infelizmente, coincide com o dia do funeral de uma amiga comum. Até aqui tudo parece somente um jantar de celebração, de vida e de morte, é certo, mas não menos uma celebração. A morte – um suicídio, na verdade – foi um imprevisto, um infeliz acaso, porque na verdade o que esse casal da alta sociedade austríaca queria era realizar um grande encontro à volta do actor. Agora a malha adensa-se. Bernhard já não via o casal há muito tempo. Na verdade tinha cortado relações há vários anos, embora o casal tenha exercido uma influência que ele considera de grande valor – influência que também o estragou, segundo ele. O convite foi um outro acaso, aceite por Bernhard porque ainda se encontrava combalido pela notícia, não muito pensado pelos anfitriões. Até à chegada do actor, Bernhard vai relatando, no seu típico modo, a história que unia o casal, a falecida, uma outra amiga comum e escritora e ele próprio, isto é, vai disparando a torto e a direito sobre eles e sobre a arte – o anfitrião é um pianista de renome, a falecida uma bailarina, a tal escritora que se considerava a Virginia Woolf da Áustria. E quando chega o actor nada muda, senão o facto de ser adicionada a voz deste e as suas críticas que encontram a simpatia de Bernhard.
E tudo isto se agiganta uma vez que este escritor combina a ficção com a realidade, a realidade da sua vida. A história é, de um ponto de vista, totalmente verídica, tanto que o casal real lhe impugnou um processo por difamação, retirando-o das livrarias, e que após ter sido retirado o processo Bernhard manteve a proibição durante algum tempo. Na verdade, muitos dos seus livros foram proibidos, quer por ele, quer pelo estado Austríaco. O que aumentava o seu ódio. E este ódio chegou a um tal ponto que Bernhard deixou em testamento a total proibição da edição e venda da sua obra literária, bem como a realização das suas peças teatrais na Áustria. Mas como a lei é facilmente contornada, o seu meio-irmão criou uma fundação para a difusão do autor e Bernhard continua a ser um dos autores maiores e mais lidos do seu país após vinte anos da sua morte.
Leiam, este ou qualquer outro deste autor, que não se arrependeram. Pelo menos eu ainda não me arrependi.

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